ESSA TERRA JÁ TEM DONO!
- teccernusacer
- 28 de nov. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: 29 de nov. de 2023
Isuara Soares Santana de Oliveira

Sou uma educadora, e justificando minha graduação de Historiadora e Pedagoga, me levaram a desenvolver um trabalho focado na escola e na sala de aula. Tenho consciência da minha tarefa profissional, quando busco oferecer aos meus alunos uma visão de mundo centrada no olhar indígena. Não tem sido tarefa fácil para os indígenas viverem atualmente uma vida digna em terras brasileiras, o respeito à nossa história e nossa cultura tem sido levado a um lugar pouco dignificante, e discutir a educação escolar indígena dentro dos espaços não indígenas requer um olhar diferenciado e cuidadoso, quando se trata do espaço da diversidade.
As complexidades inerentes à educação residem na singularidade da formação de cada povo e sociedade. Esse processo tem servido como alicerce para a disseminação de conhecimentos e valores nos diversos estratos sociais presentes no território brasileiro, tanto por meio de estruturas educacionais formais quanto de interações informais. Analogamente, a educação pode ser comparada a uma planta que, ao longo do tempo, cresce, enraíza-se, assume contornos definidos e, por fim, frutifica.
A inclusão da educação dos povos indígenas nos cenários escolares do Brasil se inicia de maneira delicada e discreta, evoluindo gradualmente para se tornar uma necessidade premente. Com o passar do tempo, essa incorporação se transforma não apenas em um instrumento vital, mas também em uma ferramenta essencial na luta e no reconhecimento dos povos indígenas, revelando a evolução contínua e significativa desse processo educacional específico.
Tomando como exemplo a primeira educação, aquela construída dentro do espaço de aldeamento, a criança recebe toda a educação para afirmação de sua etnia e aprende os saberes originais e ancestrais até os 10 anos de idade. A partir dessa idade, a criança inicia sua educação dentro dos parâmetros não indígenas.
A Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 210, assegura os direitos originários dos povos indígenas, incluindo a promoção de sua educação como meio de preservação de suas culturas. Ao reconsiderar a educação escolar indígena, a Carta de 1988 representou um ponto crucial na definição das relações entre o poder público e as comunidades indígenas. A partir deste documento constitucional, o Estado brasileiro oficialmente reconhece a existência de diversas sociedades indígenas dentro do país. O mesmo artigo (210) garante às comunidades indígenas o direito a uma educação escolar específica e diferenciada, que seja bilíngue e intercultural, reconhecendo o uso das línguas nativas e de seus próprios métodos de aprendizagem (Constituição Federal de 1988). Essa transformação, promovida pela nova Constituição, abre espaço para repensar as possibilidades de uma escola indígena, distanciando-se das abordagens positivistas, doutrinárias e evangelizadoras que anteriormente prevaleciam. Como enfatizado por Nietta Monte:
[...] é como se as vozes das sociedades indígenas, há séculos silenciadas pelas políticas educacionais, finalmente pudessem formular e explicitar seu projeto escolar, fazê-lo ecoar e reproduzir, ainda que sobre intenso debate e conflito, em forma de novas propostas de políticas públicas a serem desenvolvidas pelo Estado brasileiro" (Monte, 2000).
A questão da educação diferenciada para indígenas em contexto urbano é um desafio para todos os envolvidos, de modo que as crianças indígenas que estão nas cidades, sejam metrópoles ou cidadezinhas, são atendidas por escolas públicas cuja abordagem do tema étnico está ausente.
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) trabalha o professor como construtor e incentivador das identidades particulares, reconhecendo as diferenças. Ela não forma e também não sustenta professores bilingues. Dentro do universo escolar indígena, não há uma educação conjunta e formativa para esse fim...
A educação escolar específica e diferenciada não se trata de uma educação de qualidade inferior ou de uma formação menor do que a formação presente nas escolas dos não indígenas. Trata-se de uma educação voltada para as diversidades e especificidades, transformando em educação de qualidade, que atenda aos anseios e expectativas de cada grupo social. Uma educação que aprende "o saber do não indígena" sem desmerecer ou esquecer "o saber do indígena".
No que concerne à discussão sobre a educação indígena no Brasil, pode-se dizer que é um tema de grande relevância que transcende as fronteiras da educação e se entrelaça com questões sociais, culturais e históricas. A educação brasileira, historicamente, evidencia um ciclo de poucos avanços e grandes retrocessos, resultando em um ensino regular frágil, fragmentado e desconexo com o tempo histórico e a realidade dos educandos, embora Freire (2000) tenha pontuado a importância de uma educação que privilegie o contexto concreto dos alunos para moldar o ensino, visando, é claro, à transformação social.
Se a educação básica regular já vem enfrentando desafios, o que sobra para a educação de povos indígenas? Nesse panorama, é evidente que a busca por compreender e promover a educação indígena é um desafio essencial para educadores, especialmente aqueles como eu, com formação em História e Pedagogia. Neste contexto, os aportes teóricos de Perrenoud (2003) e Morin (2000) enriquecem nossa compreensão da complexidade dessa questão.
Perrenoud (2003), enfatiza a importância da adaptação da educação às necessidades dos alunos e à diversidade cultural. Em relação à educação indígena, o autor nos lembra da importância de reconhecer a singularidade de cada contexto educacional. Isso implica a necessidade de respeitar as especificidades culturais, sociais e linguísticas das comunidades indígenas, adaptando o currículo e os métodos pedagógicos de acordo com suas realidades.
Por sua vez, o currículo deve ser pensado e concretizado através do fazer pedagógico sob o pilar da interdisciplinaridade. Dito isso, Morin (2000), enfatiza a complexidade da questão e nos leva a compreender que a educação indígena não pode ser analisada de forma isolada, mas deve ser vista como parte de um sistema complexo de relações entre culturas, sociedades e o meio ambiente. A visão de Morin nos lembra que a educação indígena não é apenas uma questão de transmitir conhecimentos, mas também de preservar identidades culturais, promover a sustentabilidade e construir uma sociedade mais inclusiva e equitativa.
O cenário atual dos povos indígenas no Brasil é caracterizado por desafios significativos, incluindo a luta pela posse de suas terras ancestrais e o enfrentamento de preconceitos enraizados na sociedade. A história e a cultura indígenas, que são ricas e diversas, muitas vezes são marginalizadas em um contexto educacional que, por muito tempo, adotou uma perspectiva eurocêntrica. Essa marginalização tem efeitos negativos tanto para os povos indígenas quanto para a sociedade como um todo, pois mina a riqueza da diversidade cultural e limita o entendimento de nossa própria história e identidade como nação.
Portanto, a promoção da educação indígena requer um olhar cuidadoso e diferenciado, que leve em consideração a diversidade cultural, as necessidades específicas das comunidades indígenas e a importância da preservação de suas tradições. Perrenoud nos recorda que a adaptação é uma peça-chave nesse processo, enquanto Morin nos chama a reconhecer a interligação entre educação indígena, cultura, ambiente e sociedade em geral.
Nesse contexto, a educação indígena não é apenas um desafio, mas também uma oportunidade. Ela representa a possibilidade de construir uma sociedade mais inclusiva, onde a diversidade cultural é valorizada, e o respeito pelas identidades indígenas se torna uma parte integral da nossa compreensão de cidadania. Para atingir esse objetivo, é essencial que educadores, políticos e a sociedade como um todo trabalhem em conjunto, para garantir que a educação indígena seja adaptada, respeitosa da complexidade e integrada em um contexto mais amplo de equidade e justiça social.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Ed. UNESP, 2000.
PERRENOUD, Philippe. A Pedagogia Frente às Diferenças Culturais. Revista Prática Docente, 2003.
MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. Editora Cortez, 2000.
MONTE, Nietta L. Os outros, Quem somos? Formação de professores indígenas e identidades culturais. São Paulo: Fundação Carlos Chagas. 2000.

Isuara Soares é historiadora e mestranda em Ciências Sociais e Humanidades no Programa em Territórios e Expressões Culturais do Cerrado, na Universidade Estadual de Goiás. Como integrante do NuSACER (TECCER-UEG), concentra suas pesquisas nos povos originários, com destaque para os Avá Canoeiros e o processo de demarcação do território indígena Ava-Canoeiro de Goiás. Graduada em História pela UEG em 2017, ampliou sua formação com uma Pós-Graduação Latu Sensu em Psicopedagogia com Ênfase em Educação Especial pelo Centro Universitário UNIFAEL em 2022. Desde 2018, atua como professora na rede estadual, sendo atualmente professora regente de história para o ensino fundamental II no Colégio Estadual Professor Salvador Santos, em Anápolis-GO.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1091489027112511
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