A ARTE-ARQUITETURA COLONIAL DE PIRENÓPOLIS
- teccernusacer
- 12 de set.
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Atualizado: 13 de set.
Alanna Vanessa Mendes Moreira

Fundada em 1727 por Manoel Rodrigues Tomás, que chefiava o grupo de garimpeiros (subordinados ao bandeirante Anhanguera), Pirenópolis surgiu como um povoado denominado, inicialmente, Minas de Nossa Senhora do Rosário de Meia Ponte. Seu nascimento está interligado ao descobrimento de ouro em Goiás, encontrado na região no século XVIII. Famoso em razão disso, o Rio das Almas foi um dos grandes responsáveis pelas primeiras riquezas do lugar. Assim, em decorrência destes fatos, o garimpo praticado na região era, mais comumente, o de aluvião, o qual consiste em uma forma de extração mineral que se concentra na retirada de minerais preciosos diretamente da água.
Com o passar do tempo e com o crescimento local, a população se empenhou em construir casas, igrejas e demais construções necessárias ao cotidiano, contribuindo para o seu crescimento. Estas primeiras arquiteturas eram mais simples e pequenas. Segundo Lima (2010), nessas construções eram utilizados materiais mais simples (uma vez que tudo era improvisado, visto as dificuldades da localidade em que estavam), tais como a folha de buriti, o pau roliço e a taquara, mas que ainda assim se mostravam muito resistentes ao tempo. Tudo isto lhe garantiu o título de arquitetura da terra. Com o passar do tempo, a alvenaria passou a ser utilizada, o que permitiu a construção de estruturas maiores e mais elaboradas.
É importante enfatizar que durante o processo de criação e crescimento do arraial, a arte colonial experimentada no Brasil aderiu ao Barroco e ao Rococó, em especial o primeiro, que é o objeto desse estudo. Tal entrelace se dá uma vez que “a arte do Brasil colonial está a serviço da religião católica” (OLIVEIRA, 2020, p. 48). Assim, algumas das principais construções, como as igrejas, por exemplo, ostentam traços comuns a este estilo.
Nascido na Europa, o Barroco consiste em um tipo de arte que se caracteriza pelo contraste entre o divino e o profano, entre o sagrado e o mundano. Assim, seus atributos e características inconfundíveis desempenharam forte influência religiosa. Em sua terra-mãe, suas obras (sejam elas de quaisquer tipos, mas por ora foquemos na arquitetura) comumente esbanjam esplendor e pomposidade, sendo sempre muito bem ornamentadas e chamativas.
No Brasil, entretanto, essa típica qualidade sofreu algumas modificações, devido à realidade econômica e política vivida pela colônia, que era muito diferente da vivenciada pela metrópole no continente europeu. Portanto, os exemplares do Barroco brasileiro modificaram alguns de seus traços originais, e são considerados por muitos estudiosos como um tipo mais simples desse estilo. Um exemplo é a Capela do Senhor do Bonfim, edificada entre os anos de 1750 e 1754, que carrega exatamente esta peculiaridade, como garante Lima (2010, p. 99): “este templo ostenta um exterior modesto, mas dentro dos princípios estilísticos de um barroco comedido, que foi uma marca do centro-oeste.”
Alguns dos maiores exemplares da arquitetura colonial no Brasil são, sem dúvidas, as construções religiosas. Vistas como essenciais ao cotidiano da época, dada a importância e relevância da fé institucionalizada pelo Catolicismo, as igrejas desempenhavam um papel não só religioso, mas também social. Assim, em Pirenópolis não ocorreria de maneira divergente ao usual. A primeira grande igreja construída foi a Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, edificada em 1728. Majestosa e deveras importante para a cidade e para Goiás como um todo, uma vez que esta foi a primeira grande edificação da região, surgiu um ano após a consolidação do povoado. Segundo Lima (2010), sua construção foi imbuída de muita coragem, uma vez que as técnicas e materiais necessários a este feito não eram comuns no Planalto Central.
Atualmente, sua fachada se mantém clara e simples, sem ornamentações luxuosas. Possui algumas janelas em estilo colonial e uma entrada pela frente, que dá para uma escadaria rumo a calçada. É composta também por duas torres, que foram acrescentadas em 1736, quatro anos após a finalização de sua primeira fase.
Seu interior é composto por uma nave única. Segundo Boaventura (2022), esse tipo de nave se tornou “mais comum a partir de meados do século XVI, durante o XVII e, em menor escala, no XVIII” (BOAVENTURA, 2022, p. 70). A construção comporta também trabalhos feitos em talhas de madeira e uma capela-mor. Possuía também, até o incêndio que a tomou em 2002, cinco altares ornamentados com ouro, duas estátuas de anjo, uma pia batismal de madeira, três sinos na torre do campanário, dentre outros artefatos históricos e religiosos que se perderam em meio as chamas.
Outros templos religiosos do século XVIII, que também merecem destaque por sua arte e importância patrimonial, são a Capela do Senhor do Bonfim e a Capela de Nossa Senhora do Monte do Carmo. Para Bury (2006), “Em Minas Gerais e Goiás, regiões do interior do Brasil, onde a colonização começou no início do século XVIII, as capelas mais antigas pertencem ao tipo provinciano tradicional” (BURY, 2006, p. 132), o que explicaria algumas de suas características mais simples. A Capela do Senhor do Bonfim, erguida a partir de 1750, foi uma obra projetada pelo Sargento-mor Antônio José de Campos. Em seu interior, esta capela abriga, no altar, uma preciosidade: a imagem do Senhor do Bonfim.
Trouxe de Salvador, capital da Bahia, a imagem do senhor do Bonfim, transportando-a, segunda a lenda, nos ombros de 260 escravos, “mercadoria” que tinha adquirido no mercado de escravos de lá [...] trata-se de uma imagem de regular altura, esculpida em madeira, obedecendo, de maneira competente, aos cânones da estatuária religiosa barroca. A imagem foi entronizada no altar-mor, com um retábulo em madeira esculpida por artesãos meiapontenses de século XVIII. Este conjunto, na sua singeleza, representa um belo exemplar da arte brasileira do nosso passado barroco (LIMA, 2010, p. 99).
Em seu interior, constata-se a presença de uma nave única e mais dois outros altares: um dedicado a Santa Luzia e outro a Santa Bárbara. Seus ornamentos se mantêm discretos e simples, desta forma, o restante do espaço se mostra pouco ornamentado. A exceção se encontra no retábulo-mor, o qual possui um pouco de requinte em sua talha e alguma douração. Diferente de outras igrejas e capelas, que já não mais possuem este espaço, esta mantém em seu interior o púlpito (lugar onde o pároco pregava na língua local). Também possui quatro sinos, o mais velho feito em 1756 e o mais novo em 1803, mantendo, assim, uma distância de quarenta e sete anos entre eles.
Quanto à Capela de Nossa Senhora do Monte do Carmo, não há data de construção incerta, porém, acredita-se que tenha sido edificada a partir de 1750 e que foi erguida por ricos mineradores. Sendo uma capela pequena, seu exterior é simples e seu interior possui apenas três altares. Fato importante sobre ela é que passou por muitas modificações ao longo dos anos, as quais alteraram seu estilo original. Atualmente, também funciona como o Museu de Arte Sacra. Para Boaventura (2022), as três igrejas mantêm um ponto em comum, algo que vai além das torres da Matriz e da primeira capela. Este detalhe estaria relacionado à forma como foram construídas.
Uma análise mais pormenorizada de cada uma dessas construções permite notar as particularidades da Matriz de Nossa Senhora do Rosário e das igrejas do Nosso Senhor do Bonfim e de Nossa Senhora do Carmo, localizadas no arraial de Meia Ponte (atual Pirenópolis). Em todas foram utilizadas uma estrutura autônoma de madeira e uma modulação estrutural como recurso compositivo que define as linhas gerais da organização dos frontispícios (BOAVENTURA, 2022, p. 84).
Por se tratarem de arquiteturas barrocas, todas possuem traços e características dignas desse estilo artístico. Podemos ressaltar algumas, como os altares, púlpitos e capelas ornados com esculturas, talhas douradas, entalhes em madeira e pinturas de cenários religiosos. O uso de materiais locais para a construção também é um fator a ser destacado, uma vez que os construtores usavam o que estivesse ao seu dispor. É importante notar que estas igrejas buscam sempre a simetria em sua criação, assim, suas fachadas, bem como suas torres, são sempre carregadas de equilíbrio.
Entretanto, nem só de igrejas vivia a população da época. Assim, também é importante tratar um pouco acerca das demais construções deste período. As residências costumavam ser casas térreas ou sobrados, que eram usados também como comércio. Eram construídas ao longo do limite do terreno, a pouca distância das ruas, sendo que algumas nem passeio público possuem. Normalmente também eram bem juntas umas às outras, não havendo muros ou quaisquer tipos de distanciamento de uma casa a outra. Isto é compreensível, uma vez que o surgimento da necessidade de privacidade é algo mais moderno, logo, não era prioridade nas construções dos séculos XVII e XVIII. Desta forma, os cômodos de uma residência eram bem distribuídos e possuíam funções bem específicas, que iam de acordo com a funcionalidade da sociedade da época. "Assim, por exemplo, as alcovas (quartos sem abertura para o exterior) correspondem à posição da mulher dentro do sistema familiar, em certo período histórico – recôndita e discreta e sempre sob o domínio e vigilância paterna/materna" (LIMA, 2010, p.76).
No período colonial, as cidades eram construídas de maneira a garantir pouco espaço à vegetação. Assim, por vezes, os mais abastados preferiam morar no campo, em casarões, também para ficarem mais perto do seu tipo de trabalho, que, normalmente, estava ligada a terra. Estes casarões dispunham de dois andares e uma escadaria de acesso externo. Também portavam em seu terreno uma capela, geralmente bem ornamentadas com imagens de santos, e uma senzala, como é o caso da Fazenda Babilônia, antigo Engenho de São Joaquim, originalmente pertencente a Joaquim Alves de Oliveira (importante produtor rural e personagem de destaque em Goiás). Fundada em fins do século XVIII, esta fazenda mantém o estilo colonial paulista (um dos estilos da arquitetura colonial no Brasil). Desta forma, além de todas as características citadas acima, também possui uma ampla varanda da qual se podia controlar todo o exterior.
Depreende-se, em vista de todos os fatores acima mencionados, que a arquitetura colonial da cidade advém de um contexto histórico típico, decorrente das bandeiras do tipo prospector, afinal, Pirenópolis surge como um agrupamento voltado à busca pelo ouro na região. Com o seu crescimento, nasce a necessidade de um maior conforto em torno dos aspectos cotidianos do dia a dia. Assim, construções como igrejas e residências começam a ser edificadas em torno do estilo arquitetônico que era comumente utilizado na época. Essas elaborações se mantiveram com o passar dos anos e se tornaram pontos de referência na cidade, e continuam contribuindo constantemente como atrativos turísticos. Devido a todos esses fatores, não é surpreendente o fato de, atualmente, a cidade ser tombada como um patrimônio. Tal medida garante a preservação do patrimônio e a perpetuação da história, cultura e tradição que residem nestas terras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOAVENTURA, Deusa Maria R. Capelas e matrizes do Goiás colonial: diálogo arquitetônico com a metrópole e as capitanias vizinhas. Revista Barroco Digital, nº 2, 2022.
BURY, Jhon. Arquitetura e arte no Brasil colonial. Brasília, IPHAN/MONUMENTA, 2006.
LIMA, Elder Rocha. Guia Sentimental da Cidade de Pirenópolis. Goiânia, IPHAN, 2010.
OLIVEIRA, João Vicente Ganzarolli de. Brasil: Arte no Período Colonial: A Brasilidade na literatura, nas letras, na arquitetura e nas artes. Revista InterFACES, UFRJ, 2020.

Graduanda em História na Universidade Estadual de Goiás (UEG). Membro dos núcleos de pesquisa NUSACER e LAPIHCER, ambos da UEG. Membro da diretoria do Comissão Anapolina de Folclore e membro do grupo de arqueologia Saturnália Antropofágica, liderado pelo professor Pedro Paulo Funari. Participante do antigo Programa de Residência (2023) e bolsista PIBIC (2023-2024).




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